Solidariedade Camponêsa
Corumbiara
Na madrugada de 9 de agosto de 1995, 200 policiais realizaram uma ação armada para retirar cerca de 500 posseiros que ocupavam a fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara, sudeste do estado de Rondônia. Houve intenso tiroteio, e mulheres foram usadas como escudo humano e obrigadas a avançar diante das tropas. Após a rendição dos trabalhadores, o acampamento foi queimado. Dois PMs e nove posseiros, entre eles uma menina de 7 anos, morreram. A violência foi tão grande que algumas pessoas nem puderam ser identificadas, segundo Raimundo Mendes de Souza Filho, delegado que presidiu o inquérito policial. Após cinco anos de processo na Justiça, dois sem-terra, dois soldados e um capitão da PM foram condenados. Todos recorreram ao STJ e aguardam a decisão em liberdade.
Há denúncias de participação dos latifundiários da região no processo de reintegração de posse. Raimundo de Souza Filho admite que houve "apoio logístico" dos fazendeiros, pois, segundo ele, seria impraticável o transporte de tamanho contingente apenas com os recursos oficiais. Posseiros alegam ter visto jagunços em meio aos policiais. "Como é possível que numa operação que envolveu 200 policiais apenas três sejam responsabilizados?", questiona o soldado Daniel da Silva Furtado, um dos condenados. "Pegaram a gente porque éramos marinheiros de primeira viagem. Fomos injustiçados." O promotor Cláudio Wolf Harger explica a absolvição dos comandantes da ação sob a alegação de que o inquérito policial tinha falhas.
Os julgamentos, em agosto de 2000, foram marcados por polêmicas. No segundo júri, o promotor e ex-policial Tarcísio Leite Matos pediu, com sucesso, a absolvição de dois comandantes da PM, posicionando-se ideologicamente ("Ou o Brasil acaba com os sem-terra, ou eles acabam com o Brasil"). No dia seguinte, Matos foi afastado dos julgamentos, mas a sentença não foi anulada.
Em outras audiências, foram condenados os posseiros Cícero Pereira Leite Neto e Claudenir Gilberto Ramos. Ao defender a condenação dos sem-terra pela morte dos policiais, os promotores usaram a tese de que eles incorreram em dolo eventual – em que não se tem a intenção de praticar o crime, mas assume-se o risco de ele ocorrer – por organizarem grupos armados no acampamento. A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA determinou ao governo brasileiro o pagamento de indenização às famílias dos 11 mortos. Porém, até hoje, nem mesmo o valor foi estabelecido.
Após 1995, novas ocupações de terra ocorreram em Corumbiara, mas as soluções vêm sendo obtidas de modo mais pacífico. "Hoje, os conflitos são resolvidos de forma mais moderna", lamenta, sete anos depois, o soldado condenado Airton Ramos de Morais.
Massacre de Corumbiara será lembrado amanhã com manifestações em Porto Velho
GERAL - 8/8/2005 11:11:54
Um dos mais rumorosos casos de massacre de Rondônia, o de Corumbiara, localizado na região do Cone Sul do Estado, completa 10 anos na terça-feira [9].
Os líderes do Movimento Camponês de Corumbiara [MCC] estarão em Porto Velho realizando uma série de manifestações no centro da capital, principalmente no Tribunal de Justiça, que até hoje não anulou o julgamento que puniu sem-terras, apontados com as principais vítimas do massacre.
A determinação de anular o julgamento foi dada ao Governo Brasileiro que foi considerado culpado no caso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos [OEA]. O Ministério da Mustiça, segundo o Tribunal Internacional, teria que determinar a anulação do último julgamento, ao Tribunal de Justiça de Rondônia. Até hoje o julgamento não foi anulado.
O MASSACRE
O episódio que entrou para a história do Brasil como o 'Massacre de Corumbiara' possui muitas dúvidas e contradições ainda que ocultam a verdadeira história de intolerância e mortes. No saldo final do confronto entre policiais e sem-terra ficou contabilizada, oficialmente, a morte de nove pessoas que ocupavam a fazenda Santa Elina e dois policiais.
No julgamento dos envolvidos no caso apenas três policiais foram condenados e atualmente cumprem pena, um em Porto Velho e dois em Vilhena. Mas estas condenações, a julgar pelos argumentos apresentados pelas famílias dos policiais que estão detidos em Vilhena, não devem ser o ponto final do caso, pois diversas falhas no processo que resultou nas suas condenações estão sendo apontadas. Além dos três policiais também dois sem-terra foram condenados à prisão.
A família do policial Airton Ramos de Moraes é a mais empenhada em provar que houve falhas na condenação dele e de Daniel da Silva Furtado. Os dois estavam entre os 187 policiais que foram enviados para a fazenda Santa Elina para fazer a reintegração de posse. De acordo com dados presentes no inquérito e no processo que levou condenação de ambos – Furtado a 16 anos de reclusão e Ramos a 18 anos – em nenhum dos corpos dos sem-terra mortos foram encontrados projéteis disparados pela arma de posse de Furtado. Ramos não teria sequer disparado a carabina e o revólver que portava. Ao mesmo tempo a perícia, feita pelo Instituto de Criminalística do Estado do Paraná, aponta as armas que fizeram o disparo, e o nome dos policiais que as retiraram do quartel do 3º BPM, em Vilhena.
Na investigação realizada pelo coronel da Polícia Militar João Carlos Finott Balbi, o nome de Ramos, por exemplo, sequer aparece entre os 15 que foram apontados como tendo responsabilidade sobre a morte dos sem-terra. O mesmo acontece no inquérito da Polícia Civil, no qual consta um documento enviado para o delegado titular do caso Raimundo Mendes de Souza Filho, de Colorado do Oeste, pelo então comandante da Polícia Militar, coronel Paulo Lima Cabral. Neste documento é feito o esclarecimento de dúvidas referentes à arma que seria portada por Furtado. Um erro teria sido cometido na numeração, o que seria o suficiente para livrá-lo da condenação.
Tempo de serviço – De acordo com Cristina Zulmira de Moraes Guimarães, irmã de Ramos e uma das pessoas mais empenhadas na tentativa de reverter a condenação, a inclusão de seu irmão e de Furtado entre os réus e sua posterior condenação não se justificam, a partir das provas levantadas nas investigações. Todos os outros policiais levados a julgamento foram absolvidos por falta de provas, ao mesmo tempo em que os dois foram condenados apesar das dúvidas presentes. Ela diz que outros fatores foram levados em conta, principalmente para favorecer policiais mais antigos. 'Foi levado em conta o tempo que os policiais estavam na PM, e mesmo a condição financeira, patente e a raça', avalia. Dos réus, Ramos e Furtado eram os que estavam há menos tempo na Polícia Militar e ambos são os únicos negros do grupo.
Os dois estão cumprindo pena no quartel da Polícia Militar em Vilhena. A condenação deles não incluiu a perda de função, mas apenas a redução de 35% nos salários. O advogado que está administrando as penas de ambos está procurando formas de garantir que possam trabalhar, para que haja remissão da pena. Segundo Cristina, a família está aguardando que o caso passe pelo Superior Tribunal Federal, onde já chegou para apreciação, para então impetrar a revisão do julgamento. 'Não é possível que mesmo diante de tantas provas eles continuem presos', disse ela.
FAMÍLIAS DIZEM QUE HOUVE RACISMO
Uma das principais alegações da família dos policiais Ramos e Furtado com relação às dúvidas sobre as provas apresentadas se devem tanto à perícia das armas usadas por policiais na morte de três sem-terra, como em provas testemunhais. Eles foram condenados pela co-autoria das mortes de Ercílio Oliveira Campos, José Marcondes da Silva e de outro homem, identificado apenas como H-05. No entanto, como consta no laudo da criminalística, assinado pelos peritos Paulo Stephan e Júlio Chorijo Arita, do Instituto de Criminalística do Paraná, das armas retiradas pelos dois policiais do quartel de Vilhena não foram disparados os tiros que mataram estas pessoas
Ramos estava com uma carabina identificada pelo código BO-042327 e o revólver calibre 38 NK-157151, enquanto Furtado portava o revólver também 38, código NK-156294. Do corpo de José Marcondes foram retirados projéteis da arma NK-156284 e do corpo de Ercílio Oliveira de Campos projéteis da carabina BO-24774. O homem identificado como H-05 foi morto com um balaço, próprio de arma de caça. O policial que portava a arma de onde foi feito o disparo que matou José Marcondes pediu baixa da polícia – projéteis da sua arma foram encontrados em mais dois corpos.
Outro fator de dúvida são as provas testemunhais. Diversas pessoas ouvidas garantem que Ramos e Furtado não estiveram no local onde os três corpos foram encontrados. Eles não teriam sequer tomado parte direta no confronto, pois estavam em pelotões de retaguarda. Nas declarações de diversas testemunhas a Companhia de Operações Especiais é que teria estado no local.
Fonte: O OBSERVADOR E Portal Cone Sul
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